Correr, estava fora de questão, passeios só ao final da tarde e com pouco calor, acompanhava-me cada vez com mais dificuldade, 15 anos num cão são muitos anos. Durante estes anos ensinei-o a fazer o que achei importante mas o mais surpreendente foi o que aprendi com ele. Aprendi muitas coisas que não sei explicar por palavras, por exemplo, sei que sou melhor pai por causa do meu cão, aprendi que tudo na vida é energia, as boas são para aproveitar e as más para bloquear, sei que a vida é muito curta e por isso devemos viver o momento e não olhar para o passado ou para o futuro.
O meu cão era um cão rafeiro, um cão abandonado com meses de vida. Com um olhar perdido de quem não sabe o lhe aconteceu, foi recolhido pela minha mulher contra minha vontade. Passou grande parte da vida acompanhado por 2 cães, um gato e mais tarde pelo meu filho. Actualmente, vivia sozinho e usufruía de todas as atenções que podia imaginar. Não tinha que disputar comida ou carinho e como tal transformou-se num cão calmo, confiante e submisso. Era o centro das atenções e eu percebia que estava feliz.
Ultimamente andava apático, achei normal por ser um cão velho. Percebi que não estava bem quando encontrei no dia seguinte o comedor cheio.
- Não tens fome?
- O que se passa?
Os olhos estavam perdidos e eu perdido fiquei. Fiz de conta que não vi para não sentir. Da farmácia segui para o veterinário. Agarrei o teu coração e fingi que estava seguro e confiante, procurei veias com dificuldade e injectei um líquido transparente. Senti as últimas batidas, a última especialmente espaçada da anterior e já muito fraca, depois chorei. Chorei sem tu veres, tive medo que percebesses.
Sem saber, ontem foi a última foto.